Um funcionário público alemão declarou ter passado os últimos 14 anos de sua carreira sem realizar nenhum trabalho real. Um inspetor de impostos finlandês morreu no escritório e o fato foi descoberto apenas dois dias depois. O cartunista Scott Adams, criador do personagem Dilbert, afirmou ter trabalhado 16 anos em grandes corporações fingindo “adicionar valor”. Conforme observa o autor, o mundo do trabalho transformou-se em um grande teatro, no qual é mais importante parecer do que realizar, participar de jogos políticos do que conseguir resultados. Quanto mais abstrato for o trabalho, maior será o faz de conta. Curiosamente, certos executivos interpretam com tanto empenho o papel de gestores ocupados que acreditam de fato trabalhar muito.
Durante o século XX, o tal espírito capitalista levou a uma geração de riquezas sem precedentes. Melhorou a vida de centenas de milhões de seres humanos. Ajudou e vencer guerras quentes e frias. No entanto, no fim do século, suas conquistas já eram pesadas criticamente em relação aos desastres deixados em seus rastros: a desigualdade, o esgotamento dos recursos naturais, o aquecimento global e a ameaça às futuras gerações.
A ressaca planetária parece ter enfraquecido o velho espírito capitalista e sua ética do trabalho, que fraqueja justamente quando a labuta dura e bem orientada é necessária para mudar rotas e reinventar existências. Sintomaticamente, a revista The Economist, um baluarte do liberalismo econômico, publicou recentemente, com ironia britânica, quatro princípios para escapar do trabalho. Primeiro, saiba gerenciar o teatro do entusiasmo: reaja sempre com ânimo a novos desafios, mas desapareça na hora do trabalho duro. Segundo, abrace a tecnologia da informação, a melhor amiga do preguiçoso: simule seriedade e atenção, enquanto navega por websites de esportes e mídias sociais. Terceiro, procure empregos nos quais a relação entre esforço e resultado não é clara: o setor público é o paraíso, mas grandes empresas privadas não ficam atrás. Quanto maior o porte, mais fácil é enrolar. Quarto, seja ambicioso: sua preguiça crônica não limitará sua ascensão profissional. Afinal, é mais fácil fugir do trabalho quando se está mais próximo do topo da pirâmide e os dias são ocupados com almoços executivos, visitas a clientes, treinamentos motivacionais e viagens a congressos.
Roland Paulsen, autor do livro Empty Labor: Idleness and workplace resistance, observa que, embora alguns estudiosos denunciem a intensificação do trabalho e o aumento das patologias ocupacionais, outros argumentam que o culto à preguiça está bem instalado nas empresas. De fato, algumas pesquisas revelam que empregados gastam até três horas por dia de trabalho com atividades privadas. Visitas a lojas virtuais e websites pornográficos acontecem principalmente durante o horário comercial. Além disso, a proporção de profissionais que declaram nunca trabalhar muito é sempre superior à daqueles que afirmam o contrário.
Paulsen cita casos curiosos. Um funcionário público alemão declarou ter passado os últimos 14 anos de sua carreira sem realizar nenhum trabalho real. Um inspetor de impostos finlandês morreu no escritório e o fato foi descoberto apenas dois dias depois. O cartunista Scott Adams, criador do personagem Dilbert, afirmou ter trabalhado 16 anos em grandes corporações fingindo “adicionar valor”.
Conforme observa o autor, o mundo do trabalho transformou-se em um grande teatro, no qual é mais importante parecer do que realizar, participar de jogos políticos do que conseguir resultados. Quanto mais abstrato for o trabalho, maior será o faz de conta. Curiosamente, certos executivos interpretam com tanto empenho o papel de gestores ocupados que acreditam de fato trabalhar muito.
No Hemisfério Norte, onde as populações contam com redes de água e esgoto, frequentam escolas e dispõem de médicos e hospitais, o enfraquecimento da ética do trabalho é visto com curiosidade. No Hemisfério Sul, onde quase tudo está por fazer, e quando é feito é mal realizado, custa caro e destina-se à elite, o tema ganha relevância moral.
Nos trópicos, o faz de conta e a fuga do trabalho tornaram-se especialidade e privilégio de um novo tipo de classe ociosa, um grupo multiocupacional e diversificado espalhado em empresas privadas, no serviço público e nas universidades. Apresenta-se como hiperativo, mas pouco realiza. É mestre em apropriar-se de feitos alheios. Weber e Veblen poderiam passar bons quartos de hora a ruminar sobre o fenômeno.
04.12.2014
Fonte: Carta Capital