A explosão da violência na luta pela terra e território

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A violência explodiu no campo e nas florestas. Ano passado foram 50 assassinatos. E a impunidade reina, 20 anos depois do Massacre de Eldorado dos Carajás. Poderia ser pior, sempre pode: 59 pessoas sofreram tentativas de assassinatos e por pouco não morreram para aumentar as “estatísticas”, como outras 144 receberam ameaças de morte, e vivem sabendo que podem ser mortas em breve. Uma barbárie que, em termos quantitativos, não ocorria desde 2004. O pior ocorre na Amazônia, sobretudo Pará e Rondônia: nesses estados 40 pessoas foram mortas.

Estes dados do teatro da crueldade que se transformou o Brasil estão compilados no Caderno Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra, lançado nesta sexta-feira 15 de abril simultaneamente em Brasília e Marabá. Em Marabá, ocorre a Conferência Internacional da Reforma Agrária, organizada pela Via Campesina, em memória aos 20 anos do massacre de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, enquanto em Brasília acontece o Acampamento pela Democracia.


Os dados sobre o ano passado não dão conta de acompanhar a barbárie em curso: nesse primeiro trimestre de 2016 já foram 13 mortes. Dois sem-terra foram mortos pela Polícia Militar do Paraná na semana passada, em uma aparente emboscada criminosa que ainda feriu outras seis pessoas.

“Os números às vezes confundem a cabeça da gente, por isso o caderno é acompanhado de textos analíticos “, afirma o advogado da CPT em Marabá, José Batista Afonso. Os conflitos, segundo ele, estão presentes em todo o País e decorrem de causas estruturais relacionadas à expansão do capital no campo e o aumento da concentração da terra. “A aceleração do processo de concentração da terra significa mais gente com pouca ou sem terra e menos gente com muita, mas muita terra mesmo”.

Em um dos textos analíticos, escrito pelo professor de geografia da USP Ariovaldo Umbelino de Oliveira, ele aponta que 97,9 milhões de hectares foram concentrados durante os governos Lula e Dilma.

Oliveira sustenta que o elevado índice de violência nos conflitos no campo são decorrência direta da não realização da reforma agrária, e as mortes absurdas, no total de 50, ou seja, quase uma por semana, nada mais são do que “a continuidade da barbárie assolando as terras do País”. O Bico do Papagaio, a tríplice fronteira do Pará, Maranhão e Tocantins, é, hoje, segundo a análise de Oliveira,  a região mais conflituosa do Brasil.

Nesse sentido, Batista, da CPT de Marabá, descreve em um outro levantamento a violência no Pará como decorrente do “aumento da impunidade”: aqueles que são responsáveis não são punidos.

“Não são apenas crimes só contra a pessoa mas também praticado contra o meio ambiente onde a impunidade predomina, como exemplo o desastre de Mariana, ou o desmatamento na Amazônia. Mas contra a pessoa é mais grave ainda no Estado do Pará, onde o número de violência praticado contra os camponeses é maior do que qualquer outro Estado da Federação. Desde que a CPT tem feito os registros, 1/3 ocorreu no Pará. A cada três assassinados, um ocorreu aqui no Pará.”

Em um levantamento específico, a CPT indica que ocorreram 846 assassinatos desde 1980 até 2014, e em apenas 293 houve algum tipo de investigação: “em 65% das mortes no Pará, sequer houve investigação das responsabilidades, nem sequer um inquérito policial”, explica Batista. Somados os 19 assassinatos no ano passado, nos últimos 35 anos 861 camponeses e camponesas foram mortos e mortas no Pará.

Essa impunidade é a prova, segundo o advogado, de que a atuação do Poder Judiciário tem sido insuficiente para combater o problema da impunidade. “O pistoleiro que pegou uma morte de encomenda e recebeu dinheiro para assassinar o camponês e não é punido, e ele vai estar no outro dia à procura de uma nova encomenda: é o assalariado da morte. Da mesma forma o mandante vai estar resolvendo o problema do conflito na base sempre da bala, porque tem a certeza de que a lei não o vai atingir.”

O avanço violento do capital ocorre junto do que Paulo Cesar dos Santos, da executiva nacional da CPT, chama de “violência institucional” e “violência legislativa”: “há ao menos 26 projetos de lei ou emenda constitucional que querem diminuir ou acabar com os direitos conquistados no campo”.

Como exemplo, ele cita o projeto que pretende alterar o conceito de “trabalho escravo” para inviabilizar a atuação dos grupos móveis. “Os projetos estão em voga no Congresso mais conservador da história”, ou seja, o mesmo que no domingo 17 promete dar um golpe derrubando o governo eleito pelo voto.

“O território amazônico, as comunidades tradicionais e os posseiros que migraram para cá estão sofrendo uma violência enorme”, explica Santos. São violências de diversos tipos, que operam da forma mais cruel possível. Como exemplo, a chacina em Conceição do Araguaia, em 17 de fevereiro do ano passado, que matou uma família inteira: Washington Miranda Muniz e sua esposa, Leidiane, assassinados junto de três filhos e um sobrinho.

Também no Pará, duas vítimas foram assassinadas enquanto lutavam contra a hidroelétrica de Belo Monte. Esse foi o ano em que mais se registrou conflitos pela água, com 135 ocorrências, sendo a maioria relacionados com a expansão da mineração, que representa 56% desse tipo de conflito.

Por outro lado, os dados levantados pela CPT indica que se intensificou as manifestações da classe trabalhadora, com um aumento de 40% do número de participantes, “o que significa que mais e mais pessoas estão indo para as ruas”, afirma Santos. E, nesse sentido, aumentou a criminalização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, daqueles que vão continuar a lutar contra o sistema capitalista que está ai. Como exemplo, há duas semanas a prisão do cacique Tupinambá Babau, no sul da Bahia.

Quilombolas e indígenas estão em luta pelo território, camponeses em luta pela terra, e estão todos sendo exterminados, assassinados, despossessados. Os “condenados da terra”, como escreveu Frantz Fanon, são as vítimas do trabalho escravo e da pistolagem, excluídos do acesso à terra, à água, ao espaço para viver e se reproduzir, que se concentra na mão de fazendeiros, banqueiros e das grandes mineradoras, protegidos por um Poder Judiciário injusto e por representantes políticos fieis à oligarquia que os financia.

Aquela cerca colocada em Brasília para dividir a sociedade brasileira parece ter um efeito simbólico além da linha da direita e da esquerda: a divisão daquela/es que podem viver, daquela/es que devem morrer; aquela/es que se beneficiam de um Estado injusto e desigual, daquela/es que são espoliados, criminalizados e eliminados como obstáculo ao insano ciclo de acumulação predatória e extremamente violenta. Como escreve Ariovaldo Umbelino de Oliveira:

“Esse é o quadro da violência e, portanto, da barbárie que reina no campo, enquanto isso os governos nada fazem. A reforma agrária não é feita. Os crimes não são apurados. As policias militares não prendem os assassinos [quando ela mesma não é a própria assassina]. A justiça não julga, e quando julga nem sempre condena os criminosos. Enfim, o direito não se respeita e a justiça não se faz.”

Fonte: Carta Capital

15:42:17

2016-04-17

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